A utopia possível: missões jesuíticas em guairá, Itaim e Tape, 1609-1767, e seu suporte econômico-ecológico /
- 1. ed.
- Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 2012.
- 237 p.
Desde que Serafim Leite debruçou-se sobre o universo sem limites da história da Companhia de Jesus, a ordem, fundada por Inácio de Loyola em 1534, nunca deixou de impressionar e interpelar estudiosos de várias áreas. A obra que o leitor tem entre as mãos também se interroga sobre a trajetória destes homens de Deus, em torno de alguns objetivos: a cristianização, a colonização e a transculturação. Embora não percebida corno um conceito na época, Manuel da Nóbrega já tinha em mente a interlocução entre culturas, o respeito do Outro e a flexibilidade de normas européias frente às realidades americanas até o que, aliás, deixou claro, em 1557, no seu Diálogo da conversão do gentio. "As chamadas Missões Guaranis" emergem desta disposição. A Utopia de um inundo novo, feito de igualdade e solidariedade, iluminaria a agenda jesuítica corno o acordar de um sonho. Não, de uma ilusão. A mítica República Guarani ou Confederação das Missões era justamente um ideal utópico para a Companhia e seus membros. E um pesadelo, para os Estados ibéricos. E o que dizer da transferência de populações inteiras de ameríndios para um novo modelo devida comum: mistério ou milagre? O autor, Miranda Neto, contornou obstáculos, evitou as armadilhas comuns sobre a história da Companhia, para nos oferecer, por meio de linguagem límpida, erudição profunda além da pesquisa da mais alta consistência, um retrato fiel do que foi a adaptação dos jesuítas ao modelo indígena de vida. Ele explica com rara sensibilidade corno se deu a vitória da cultura compartilhada contra a natureza e a intolerância... Ainda que por pouco tempo. Ao percorrer o cotidiano de indígenas e padres, suas formas de produção, abastecimento e auto-sustentabilidade, sua relação com as artes, a arquitetura e a música, a maneira corno ergueram cidades e igrejas mais do que ensinar sobre as missões que se enraizaram no alto Paraguai, Miranda Neto nos faz ver e, sobretudo, compreender, quem foram e como viviam, agiam e pensavam tais atores históricos. A Utopia Possível de Miranda Neto é uma obra que já nasce clássica e que se lê com urna interrogação: a destruição das missões guaranis, bem como a violência perpetrada contra indígenas e padres nos teriam deixado uma lição de como viver num mundo melhor?