Pólvora, Hélio

Contos da noite fechada / - Ilhéus, BA: Edtitus Editora, 2004. - 144 p.

Meu irmão Ismael estava caído junto à porta da sacada. Piscou à luz crua da lâmpada próxima, que acendi. Suava. O peito do pijama tinha sangue empastado. Meus olhos pararam nos cabos das facas. - Ismael - eu gemi. Ismael, nos últimos tempos, tinha um jeito esquivo de olhar para a gente, como se envergonhado. Às vezes, vinha passar dias comigo. - Ismael, o que foi isto? - Aconteceu, mana. - Aconteceu o quê, meu irmão? As facas - ele disse com simplicidade. - Estou vendo. O agressor, Ismael, o miserável. Onde está? Chamou a polícia? Os cabos de madeira das facas baixavam e subiam com a respiração. Duas facas amoladas na barriga, as minhas facas. Ismael parecia um velho samurai. Só faltava o Buda, a pira queimando incenso. Dizer o quê, em semelhante transe? Dizem que palavras confortam. Talvez aliviem a mágoa atual, mas não redimem o pesar de uma vida. O olhar de Ismael passa por mim, evita o meu rosto. Sinto nesse desvio do olhar um pedido de desculpas.


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